quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Um delicioso conto de Drummond


Retirado integralmente do livro "Contos plausíveis", 5ª edição, publicado pela Editora Didática Paulista e Record, em 2002.

A incapacidade de ser verdadeiro

Paulo tinha fama de mentiroso. Um dia chegou em casa dizendo que vira no campo dois dragões-da-independência cuspindo fogo e lendo fotonovelas.

A mãe botou-o de castigo, mas na semana seguinte ele veio contando que caíra no pátio da escola um pedaço de lua, todo cheio de buraquinhos, feito queijo, e ele provou e tinha gosto de queijo. Desta vez Paulo não só ficou sem sobremesa como foi proibido de jogar futebol durante quinze dias.

Quando o menino voltou falando que todas as borboletas da Terra passaram pela chácara de Siá Elpídia e queriam formar um tapete voador para transportá-lo ao sétimo céu, a mãe decidiu levá-lo ao médico. Após o exame, o Dr. Epaminondas abanou a cabeça:

- Não há nada a fazer, Dona Coló. Este menino é mesmo um caso de poesia.

(Carlos Drummond de Andrade)

sábado, 22 de novembro de 2008

Letras X números

Que angústia! Por que eu não me apeguei aos números invés das letras? Hoje, graduado em alguma área das exatas, caso fosse um licenciado, seria professor dos mais cobiçados, ou bacharel muito talentoso. Mas preferi as letras, e por mais descapitalizado que eu seja por conta disso, ainda que angustiado, não me arrependo. Se eu conseguir viver o suficiente para ter grandes amores e curtir grandes aventuras, já terá valido a pena. Aliás, como já fiz um pouco de cada, com mais um pouco não morrerei frustrado.

Se eu fosse dos números, decerto seria um bruto que não vê beleza numa flor, nem num gesto doce. Dificilmente eu gostaria das músicas que gosto e me valeria de qualquer uma para refletir sobre minha vida. Jamais teria lido os livros que li e releio vez em quando. Sonharia com fórmulas matemáticas e usaria uma linguagem difusa e com o mínimo de lógica aos não-iniciados. Talvez sequer parasse para ver um quadro, embora eu ressalte aqui que não costumo absorver nem dizer muito dos que observo.

É verdade que nem todos das exatas são assim. Conheço camaradas que são pessoas normais apesar de viverem pensando em números. Eu que seria o avesso de mim. Não é a realidade que eu estou descrevendo.

Ah, eu poderia estar num centro de pesquisa agora comendo frituras, engordando, meio cego e ganhando muito dinheiro com pouco tempo para gastá-lo. Ganharia um prêmio, tornar-me-ia famoso e o presidente da república condecorar-me-ia com a honra ao mérito. Um pouco mais de empenho levar-me-ia à Lua.

Eu desprezei os números em favor das letras, e sou inacreditavelmente feliz. Remorsos, nenhum. Eu só gostaria de ganhar mais dinheiro sem precisar reservar tempo demais ao trabalho. Dinheiro, todos o querem sempre mais.

Pensando melhor, deve haver um modo de ser feliz com pouco dinheiro. E se eu fosse tudo o que não sou como seria?

Eu seria mais fudido do que eu sou.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Estoicismo à Saramago


Tive o prazer de encontrar estas palavras. Gostaria de tê-las dito. Aqui as reproduzo integralmente do blog do José Saramago, cujo link está ali à direita. Eu, como o distinto português, de modo algum sei conviver com a indiferença. Apesar de usá-la, forçosamente, em nome da minha conveniência em alguns momentos.

Eis o texto de Saramago:

Vivo, vivíssimo

Intento ser, à minha maneira, um estóico prático, mas a indiferença como condição de felicidade nunca teve lugar na minha vida, e se é certo que procuro obstinadamente o sossego do espírito, certo é também que não me libertei nem pretendo libertar-me das paixões. Trato de habituar-me sem excessivo dramatismo à ideia de que o corpo não só é finível, como de certo modo é já, em cada momento, finito. Que importância tem isso, porém, se cada gesto, cada palavra, cada emoção são capazes de negar, também em cada momento, essa finitude? Em verdade, sinto-me vivo, vivíssimo, quando, por uma razão ou por outra, tenho de falar da morte…

domingo, 2 de novembro de 2008

Lewis Hamilton, campeão da F-1 2008


Até a morte de Ayrton Senna, os domingos de Fórmula 1 eram emocionantes para os fãs do automobilismo, mesmo para quem assistia, torcia pelo Senna sem entender coisa alguma, como eu. Senna era uma espécie de semideus brasileiro. Tinha carisma em demasia, além de ser o melhor piloto de seu tempo. Aí, veio o Rubens Barrichello, que todo mundo pensava ser o novo Senna ao entrar na Ferrari, mas o que se viu foi um piloto sem autonomia, que cedeu a dianteira numa corrida ganha para o Schumacher em 2002 (?). Passei a detestar a Ferrari por isso, e de quebra não acompanhei mais a F-1, que ficou bem chata com o alemão ganhando tudo. Aí, chegou o Alonso, o chato-mor. O espanhol ganhou dois anos seguidos o campeonato e aposentou Schumacher.

Em 2007, chega à F-1 o primeiro negro, Lewis Hamilton, com muito carisma e correndo de igual para igual com veteranos e campeões como seu então companheiro de equipe, Fernando Alonso. Com Hamilton a F-1 voltou a ter graça, a ser imprevisível e emocionante. Tornei-me fã de Hamilton. Voltei a acompanhar a F-1. O inglês quase ganhou o campeonato em sua primeira temporada. Haikkonen venceu com diferença de um ponto para Hamilton o campeonato de 2007.

Hamilton sagrou-se campeão da F-1 2008, hoje. Na última curva, a trezentos metros da linha de chegada, conseguiu ultrapassar Glock, chegar em 5º e marcar um pontinho que fez a grande diferença como no ano anterior. Ele e Massa fizeram de 2008 o campeonato mais vibrante, como não se via há anos. Não houvesse a Ferrari cometido tantos erros, não fosse a estabilidade técnica da McLaren, Massa seria o primeiro piloto brasileiro a ser campeão em casa. Foi quase, Felipe Massa.

Vibrei muito com a vitória de Hamilton. E alguém poderia perguntar por que não torço por Massa. Bem, eu não acho que ele seja um piloto ruim ou sem carisma, é que ele não tem aquela capacidade de Senna de enfrentar os adversários, a garra, a coragem, a humildade de admitir que errou (a equipe sempre erra com ele). Hamilton, por outro lado, mesmo sabendo que se quebrará todo vai pra cima, senta o pé mesmo e faz cada ultrapassagem (aquela do GP da Bélgica, então...!). Enfim, Hamilton é mais parecido com Senna do que Massa, eu , pobre torcedor, acho. O inglês soube comedir-se neste final de campeonato e isto lhe deu a vitória final.

Outra coisa legal na vitória de Hamilton foi que, com isso, ele calou os críticos, a turma do raio que cai no mesmo lugar duas vezes e, principalmente, o chato elevado à décima potência da televisão brasileira, o narrador Galvão Bueno.

Valeu, Hamilton! God save the black driver!