terça-feira, 1 de maio de 2012

A massificação do ruído


A cultura, em tempos internéticos, tem ampliado seu caráter dinâmico, tantas são as trocas e fácil o acesso. Os bens culturais de massa cruzam os mares dos cabos ópticos e podem ser degustados no seio do lar e copiado para outros suportes que não o computador. 

Não por acaso esse processo de massificação muito assusta os de outrora, ao passo que inebria os de agora e nos faz perguntar o que será doravante. Os de outrora, em grande número bairristas, defendem seu tempo como se nada feito depois fosse bom e, por sua vez, os de agora supervalorizam seus ídolos, muitas vezes sem considerar o início de tudo. Cada um com seu pecado mortal. E como toda regra não é um dogma infalível, há aqueles que transitam inversamente a isso tudo, a saber, os novos que buscam os velhos, e estes que se rendem às (poucas, infelizmente) demonstrações de talento genuíno atuais. Ou seja, não há motivo para tanto receio nem tanta resistência. Ninguém precisa ser um Ariano Suassuna para ser um bom apreciador da arte.

Lamentável que o cinema, a música e a literatura de hoje estejam tão pautados pela superficialidade. O que há com as pessoas que produzem cultura? Culpa do mercado, ditador das regras desse jogo, ou dos consumidores alienados pela mídia? Encontrar algo com densidade artística, para além do discurso, requer esforço de garimpagem e tempo, muito tempo. Um esforço às vezes vão, às vezes impressionante.

Quem foi adolescente na década de 90 presenciou o fim dos bons e o apogeu dos inúteis. Viu programas de televisão, antes tomados pelo pop das bandas de rock, pelos senhores da Tropicália e da música romântica (puro lirismo!) ou de uma vertente mais sofisticada, como a inclassificável obra de Chico Buarque, receberem uma avalanche de axé, sertanejo e pagode. 

A música vinda da Bahia pouco se interessava com a coerência das letras, o importante era a coreografia, o close nas bundas e a galera saindo do chão. A do sudeste pouco reproduzia a expressividade da região e o pagode mais parecia uma câmara de ecos com tantas rimas terminadas em "ar", "er" e "ão". Havia o mínimo, e as pessoas se contentaram com isso a ponto de se satisfazerem com a total ausência de letra e melodia das canções (?) hodiernas.

Creio que as benesses tecnológicas estão sendo mal utilizadas. Como entender a mente de alguém que tem a oportunidade de experimentar as melodias mais belas já compostas e opta pelo ruído repetitivo? Alguém que troca a emoção e o "frio no estômago" dos filmes antigos por coisas toscas tipo os programas de TV? E o mais grave, que intelectualidade nascerá de uma geração que não lê?

Há luzes no fim do túnel, claro, e elas apontam para os subterrâneos dessa sociedade culturalmente entorpecida, para os artistas resistentes que reinventam a arte, à vanguarda fiel, hóspede do ostracismo, e aos apreciadores lúcidos. Não é preciso construir a máquina do tempo e voltar ao passado glorioso.

A mídia vez ou outra se dobra à boa música, ao bom filme. Menos sorte tem a literatura. Contudo, como diria Raul, se o rádio não toca a música que você quer ouvir, se a TV não mostra o que você quer ver, é muito simples, é só girar o botão, quer dizer, mudar de site e pra melhor.

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O piano misterioso foi copiado daqui e explicado aqui.