segunda-feira, 6 de maio de 2013

Leminskinado



Meu livro de cabeceira atualmente é o Toda Poesia, de Paulo Leminski, o poeta bigodudo mais pop de toda a literatura nacional. Lírico e concretista ao mesmo tempo, captou as nuances do seu tempo através de poemas curtos, cheios de trocadilhos, metalinguagem, referências da cultura efervescente dos anos 70 e 80 e pequenas explosões, que ora nos causam estranhamento, ora nos fazem rir, mas sem perder a delicadeza em cada verso arquitetado.

Conheci a poesia do Leminski há muito tempo por meio da TV Escola, que na época veiculava seus poemas nos intervalos comerciais. Aquilo me fascina até hoje, poemas curtos que expressam uma mensagem imensa, ou que simplesmente nos fazem calar.

Quando foi lançado o Toda Poesia, corri logo para comprá-lo e desde então estou degustando paulatinamente cada poema, sem pressa, porque a poesia exige calma, é preciso escutá-la, reverenciá-la. Poesia é coisa séria. Um poema pode ter sido escrito irresponsavelmente, mas lido desta forma jamais, mesmo que por deleite. Como dizem por aí:

"Poeme-se".


quinta-feira, 28 de março de 2013

Sumidos


Aos amigos daquele tempo...

Às vezes, vamos até a esquina só para ver o movimento, comprar o pão e encontramos um amigo de muito tempo atrás, o abraçamos, rimos, aí colocamos o papo e todos os anos da ausência em dia numa hora e meia.

Às vezes, reencontramos o amigo na rua, não o abraçamos como da outra vez, ainda sim sorrimos. Mas, não há tempo nem papo para alongar a conversa, confirmamos apenas as dúvidas do outro dia ("Sim, o foi o Fulano mesmo que...!"). Cria-se outra ausência despercebida.

Às vezes, em mais outro dia, alguém no mercado toca-nos o ombro, vertemos e é o tal amigo sumido. O sorriso está lá, a simpatia também. Mas, a ocupação impede que a conversa se estenda, um diz ao outro "Apareça!". E o incômodo "apareça" jamais se cumpre, as cervejas vão ficando para depois e nunca.

Às vezes, o tempo se alonga muito entre um próximo encontro furtivo e outro. Não surge motivo para que se lembre os tempos de colégio, as presepadas após as aulas, até alguém daquele mesmo tempo chegar com uma foto e fazer a solene pergunta: "Lembra?". Claro! O franzino que o colega aponta é justamente o amigo do outro dia na esquina, na rua, no supermercado.

Às vezes, num feriado de santo, avistamos na multidão do clube o amigo e sua família, todos se cumprimentam, as esposas trocam "ois" insossos e os amigos começam a "rir do nada", ao menos para elas. Depois, cada um paga sua conta, menos daquela cerveja prometida.

Às vezes, procurando um número na agenda telefônica, deparamos com o contato do amigo lá, inutilizado por desuso. Dá vontade de ligar e no último instante ponderamos que o assunto pode não se estender e serem dois anônimos na mesa do bar, afinal nenhum sabe contar piadas nem quer lamentar as chatices do trabalho, há o problema da distância entre bairros e as esposas podem não gostar. Ligação cancelada.

Às vezes, no final do ano, tempo das confraternizações e amigos secretos, outros amigos sumidos aparecem, surge a ideia de seguir a tradição, os contatos são listados e aquela amiga mais desenrolada, gente fina, encarrega-se de marcar com todos, ver o lugar do encontro, prepara toda a logística, mas de última hora uns vão desmarcando, outros não comparecem. Aí a confraternização fica a cabo dos bravos que continuam amigos desde o primeiro dia de aula. Nós e aquele amigo somos da turma da justificativa.

Às vezes, muita coisa acontece, culpamos sempre o tempo, mas o tempo não muda e nós não somente mudamos como também nos mudamos, e talvez isso tenha ocorrido ao amigo sumido que sumiu de vez.

Às vezes, mais e mais anos depois o encontramos já não com aquele vigor, mas com o carinho suprimido esboçado num sorriso amarelo, amarelo de dentes bem gastos, em contraste com os cabelos brancos e o dilema de pedir ou não antecipação da aposentadoria, pois falta pouco, o salário é mais ou menos, dá pra viver, os filhos estão criados, donos de si, vem netinho em breve, a esposa, melhor, a ex-esposa está fazendo a vida dela, enfim, tudo pelo sossego de voltar ao tempo em que estudávamos à tarde e podíamos dormir após a meia-noite e acordar ao meio-dia.

Às vezes, isso tudo acontece mesmo. E da amizade entre sumidos resta sempre uma alegriazinha escondida para esses encontros perdidos.

União dos Palmares-AL, 26 de março de 2013

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Retrato de carnaval, frevo e maisena

Na cadeira, com uma blusa vermelha e uma calça jeans contrastando, minha mãe sorri comigo no colo, empoeirado de maisena, cabelos encaracolados. Eu tinha dois ou três anos, vestia uma blusa com listras amarelas e brancas. Ao nosso lado, tia Neuma de óculos escuros, blusa azul marinho com barra vermelha nas mangas, apoiando o queixo no pulso levemente fechado, esboçando seu sorriso peculiar, que o fotógrafo apressado não esperou surgir entre a maisena. Meu pai traja calças de brim azul, alpercatas de couro, uma camiseta branca, sorri espalhafatosamente abraçado ao Seu Geraldo, este de calça marrom, alpercatas e camisa de botão preta (ou seria azul escuro?) aberta, peito senil à mostra e uma caneca de alumínio refletindo o flash da câmera. Caneca certamente cheia de cerveja e outras aliterações. Ambos batizados de maisena. Mais à direita de quem olha o retrato, meus primos, Kiko e Júnior de sandálias Havaianas, bermudas bem curtas e coloridas de listras azuis, amarelas e vermelhas. Kiko sem blusa, Junior de regata azul claro, cabelos alvoroçados, cobertos de maisena e com toda travessura carnavalesca possível nos sorrisos. Ao fundo, alguns foliões, também embranquiçados de maisena, mas a foto não registra o sorriso de nenhum deles. A música, um frevo bem quente, toca nesta hora, ministrada pela orquestra encarregada de animar as matinês e bailes das noites durante todo o Carnaval, até chegar o momento da Bandeira Branca e sair pelas ruas com o bacalhau na vara. Enfim, chega a quarta-feira ingrata. E vamos dormir e depois da brincadeira, tomamos banho para tirar o pó dos ouvidos. E vivemos mais um ano para repetir tudo de novo, fazer uma foto diferente.


quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

O Eu e o Mar

Aos amantes do mar, sobretudo, 
a quem me fez amar ainda mais o mar.

Pedaço do mar de Japaratinga-AL.
O mar sempre me fascinou e encantou por ser azul-esverdeado em Alagoas e sem fim no mundo inteiro.

Todas as praias de Maceió deveriam se chamar Tia Cacau e Isaac, pois a eles devo as melhores lembranças  dos meus primeiros anos de vida além-rio.

E por mais misterioso que seja o céu, é no mar que ele se olha.

No mar, um barquinho se encobre no limite do olho, balança e volta; um navio muito grande afunda.

Lá no abissal moram criaturas que nunca foram incomodadas, algumas do andar superior são feias, mas essas nem se sabe que aparência têm. Talvez subam à superfície quando desejam.

Gostaria de ter visto uma dessas sem querer na praia, quando acostumei a abrir os olhos debaixo d'água sem machucá-los com o sal.

Ah, mar!

Quando cresci, percebi as curvas duma ponta a outra, parecendo duas pernas abertas de mulher.

Mas por que com tanta vida não se vive no mar? É sempre num barco ou à beira dele. Ao menos desde Atlântida não se tem mais notícia.

Quem morre no mar vira mar.

Quem o ama também.

E hoje eu, daqui de Mata Grande, vejo o mar: pairando em forma de nuvem, no azul, na ameaça de chuva, numa folha verde.

Ora sossegado, ora bravio. Sempre há mar.

Desconfio que não é o mar salgado, mas a minha língua.

E é mar desde o começo.

Meu sonho é ser Netuno, como sem fé é impossível, serei peixinho, como nasci homem, quem sabe um pescador.

Juro, contudo, que já vi uma sereia.

Morreria bem no mar.

Mata Grande, sertão e veredas, 31/12/2012.