quinta-feira, 28 de março de 2013

Sumidos


Aos amigos daquele tempo...

Às vezes, vamos até a esquina só para ver o movimento, comprar o pão e encontramos um amigo de muito tempo atrás, o abraçamos, rimos, aí colocamos o papo e todos os anos da ausência em dia numa hora e meia.

Às vezes, reencontramos o amigo na rua, não o abraçamos como da outra vez, ainda sim sorrimos. Mas, não há tempo nem papo para alongar a conversa, confirmamos apenas as dúvidas do outro dia ("Sim, o foi o Fulano mesmo que...!"). Cria-se outra ausência despercebida.

Às vezes, em mais outro dia, alguém no mercado toca-nos o ombro, vertemos e é o tal amigo sumido. O sorriso está lá, a simpatia também. Mas, a ocupação impede que a conversa se estenda, um diz ao outro "Apareça!". E o incômodo "apareça" jamais se cumpre, as cervejas vão ficando para depois e nunca.

Às vezes, o tempo se alonga muito entre um próximo encontro furtivo e outro. Não surge motivo para que se lembre os tempos de colégio, as presepadas após as aulas, até alguém daquele mesmo tempo chegar com uma foto e fazer a solene pergunta: "Lembra?". Claro! O franzino que o colega aponta é justamente o amigo do outro dia na esquina, na rua, no supermercado.

Às vezes, num feriado de santo, avistamos na multidão do clube o amigo e sua família, todos se cumprimentam, as esposas trocam "ois" insossos e os amigos começam a "rir do nada", ao menos para elas. Depois, cada um paga sua conta, menos daquela cerveja prometida.

Às vezes, procurando um número na agenda telefônica, deparamos com o contato do amigo lá, inutilizado por desuso. Dá vontade de ligar e no último instante ponderamos que o assunto pode não se estender e serem dois anônimos na mesa do bar, afinal nenhum sabe contar piadas nem quer lamentar as chatices do trabalho, há o problema da distância entre bairros e as esposas podem não gostar. Ligação cancelada.

Às vezes, no final do ano, tempo das confraternizações e amigos secretos, outros amigos sumidos aparecem, surge a ideia de seguir a tradição, os contatos são listados e aquela amiga mais desenrolada, gente fina, encarrega-se de marcar com todos, ver o lugar do encontro, prepara toda a logística, mas de última hora uns vão desmarcando, outros não comparecem. Aí a confraternização fica a cabo dos bravos que continuam amigos desde o primeiro dia de aula. Nós e aquele amigo somos da turma da justificativa.

Às vezes, muita coisa acontece, culpamos sempre o tempo, mas o tempo não muda e nós não somente mudamos como também nos mudamos, e talvez isso tenha ocorrido ao amigo sumido que sumiu de vez.

Às vezes, mais e mais anos depois o encontramos já não com aquele vigor, mas com o carinho suprimido esboçado num sorriso amarelo, amarelo de dentes bem gastos, em contraste com os cabelos brancos e o dilema de pedir ou não antecipação da aposentadoria, pois falta pouco, o salário é mais ou menos, dá pra viver, os filhos estão criados, donos de si, vem netinho em breve, a esposa, melhor, a ex-esposa está fazendo a vida dela, enfim, tudo pelo sossego de voltar ao tempo em que estudávamos à tarde e podíamos dormir após a meia-noite e acordar ao meio-dia.

Às vezes, isso tudo acontece mesmo. E da amizade entre sumidos resta sempre uma alegriazinha escondida para esses encontros perdidos.

União dos Palmares-AL, 26 de março de 2013