quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

O humano virou bicho

Passamos despercebidos aos olhos da multidão com nossos trajes semelhantes, com nosso silêncio. Também não notamos nos outros, a não ser que estejamos movidos por uma curiosidade bizarra de descobrir quem são só de olhar. A menina do caixa, mesmo que sorrindo, esquecerá nossos semblantes em pouco tempo, por isso se há algo errado voltemos logo lá. Você lembra a cara do rapaz que nos entregou um folheto? Todos os dias, na rotina diária, trafegamos as mesmas ruas. Ainda assim, deixamos algo. Você se recorda de alguns colegas de classe com os quais pouco ou nenhuma vez conversamos? Eu também não.

Na verdade, é tudo mentira. Há sempre alguém que nos nota do mesmo modo que o notamos. Desacostumamos com o fato de que os outros são como nós. Sim, lembramos, percebemos e ignoramos tudo isso, para mantermos nosso patamar de orgulho e individualismo sempre alto.

Eu sou egoísta, repito neste espaço mais uma vez. No entanto, não o sou somente pela paixão de ser, fui me configurando a esta forma. Pergunto-me quanto de mim sou eu mesmo. No geral, as pessoas são o que as outras são. Bichos paradoxais.

____________________________________________________________________

O bicho

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.


(Manuel Bandeira)