segunda-feira, 8 de março de 2010

Sobre A Metamorfose, de Franz Kafka


Fechei o livro e indaguei-me se ele teria sido feito para ser odiado, pois senti algo parecido durante a leitura. Como pode isso? Como aquilo? Eram frequentes. Quase desisti de ler, mas pela parcimônia no número de folhas, prossegui. E não me arrependi. Sim, porque A Metamorfose é um tipo de novela intrigante, porém contundente, onde Franz Kafka nos faz sentir nojo de nós mesmos.

Quantas obras literárias não tratam da mesma coisa? Muitas em muitos lugares do mundo refletem acerca da hipocrisia humana, talvez nenhuma trate da desumanização tal qual a obra de Kafka. Agora entendo as loas à sua magnificência literária.

Não irei contar os detalhes do enredo. Leiam o livro! É moderno e imprevisível. Adianto apenas que o personagem principal não se transforma numa barata. Portanto, meninas, tranquilizem-se, nenhum inseto saltará das páginas (só o inverso pode acontecer).

Do gênero humano, às vezes não se nota que dele se pode esperar qualquer coisa possível aos seus meandros. Literatura não é um divã, tampouco um oráculo dos deuses. O que está lá veio de fora. E, odiando ou não o que alguém como Franz Kafka escreve, é isso o que se vê pela "janela da alma" cotidianamente. Humanos bons, humanos maus, as duas coisas num só corpo e mente. Ler um livro ao menos nos permite sondar as entranhas do humano sem graves consequências.

E é o que dizem, não se pode mudar o mundo sozinho. Mas o sozinho pode se metamorfosear. E, sim, A Metamorfose é um ótimo livro apesar de tudo. Eu só odeio o que Kafka, suponho, também odiaria.

3 comentários:

Patrícia Lima disse...

Faz tempo que me deparei com Gregor Samsa nas páginas de "A metamorfose". Recordo que da leitura tive agitados arroubos de reflexão, dada a transfiguração ou animalização do protagonista. Kafka traz camufladamente em doses de humor e espanto a questão da alienação do homem pelo trabalho. Recentemente sugeri o livro para uma turma do Ens.Médio como modelo do realismo fantástico,é sem dúvida uma temática que vale a pena polemizar e discutir o determinismo que veste a obra.

Wenndell Amaral disse...

Kafka é um dos meus autores favoritos, apesar de não ter lido muitos autores e de ter lido apenas dois de seus livros: O Processo e este A Metamorfose. Aqui na prateleira do meu quarto está no aguardo O Castelo.

Posso usar seu texto como uma dica de livro no Tempo Moderno?

Fernando disse...

José, você foi pefeitamente sucinto E preciso na questão da desumanização presente na Arte Moderna (neste caso, na literatura kafkiana) - que, por sua vez brindou a Arte Contemporânea com seus frutos.

A desumanização (designação atribuída por Ortega y Gasset) possibilita ver o ser humano como falho, tal qual é. E nada como transformá-lo em um inseto para defini-lo como uma criatura essencialmente frágil e efêmera na malha das coisas reais do universo.

Você que apreciou o sabor cáustico da literatura de Kafka, que, segundo Modesto Carone, deixa-nos "mareados em terra firme", também entreverá muitas possibilidades de leitura em O Processo, Um Artista da Fome e O Veredicto (são as obras de Kafka que eu li, e recomendo de coração a leitores atentos como você).